sábado, 24 de fevereiro de 2007

Segunda Crônica - 10/07/2006




A diversidade uniforme dos homens

A 1ª Parada da Diversidade de Florianópolis me alegra e me assusta. Vinte mil pessoas, segundo a polícia militar, quase quarenta mil, segundo os organizadores, se encontraram numa tarde fria na avenida beira-mar, para celebrar a liberdade de expressão, a liberdade da sexualidade humana, para celebrar a vida enfim. Era festa. Mas era, claramente, um ato político. Uma triste tarefa que, cada vez mais, somos obrigados a ter; a de nos auto-afirmar perante uma sociedade mascarada de país da alegria e da liberdade, onde vivem todos juntos numa boa; em harmonia com todas as diferenças, com toda essa “diversidade”.
A “diversidade sexual” é uma resposta para a imposição de normas e leis, de códigos morais e de conduta (sociais, políticas, religiosas econômicas) historicamente postulados entre os homens. É um grito de revolta contra a opressão, a padronização do pensamento e da conduta humana, de acordo com os interesses específicos do poder vigente.
Do ponto de vista biológico, não somos tão “diversos” assim. Estamos predispostos à bissexualidade. A “preferência sexual” participa do sorteio genético, como todo o resto de nossa constituição humana. É o meio, e não o indivíduo, que exige um rótulo, que fatalmente desemboca em segregação e preconceito. “O que é você afinal?”
Todo ser humano tem necessidade de pertencer a um grupo, de identificar-se em uma coletividade, sei disso, mas esse movimento de reunião é natural, ao passo que sua rotulação é política e facilmente manipulada pelo “poder”.
Por exemplo: para quem ainda não sabe, esse papo de que o homem nasceu para a mulher, o sentido do sexo é a procriação, bla bla bla, é um ranço estúpido da catequese cristã que, lá nos seus primórdios (quando o quorum de suas reuniões era bem baixinho) inventou essa balela de “crescei-vos e multiplicai-vos” para aumentar seu exército de devotos. E, tudo bem, para a Igreja Católica, que a conseqüência disso seria (e foi) a superpopulação, a miséria, a fome. Ainda assim, seriam capazes de fazer uma tocha e se juntarem para queimar “hereges”. O sentido do sexo é o prazer, direito inquestionável de todo ser vivo.
Outro exemplo: eu sou gay, homossexual. Ser gay, me relacionar com pessoas do mesmo sexo, faz parte da minha identidade, da minha personalidade, está presente na minha vida, muito além dos meus relacionamentos pessoais. Mas já me relacionei com o sexo oposto e, apesar de me apresentar como gay, não quero excluir esta possibilidade da minha vida; não sei como vou acordar amanhã, com qual desejo. Então sou bissexual, “política de centro”? Mas qual é a proporção para sermos sexualmente classificados? “Meio mussarela, meio calabresa”? Ou se como mais pizza de calabresa que de mussarela tenho que dizer que sou gay então. Quem sabe então gay, com tendências bissexuais? Que horror!
Assumir um rótulo é uma necessidade política da qual não temos como fugir (nosso “livre arbítrio” é bem questionável às vezes), ou corremos o risco de sermos aniquilados pela norma vigente, se ela excluir de sua cartilha, ou bíblia, ou constituição, a sua conduta pessoal.
Por isso o slogan da Parada da Diversidade é perfeito: “Nem mais, nem menos, apenas iguais”. Cada indivíduo tem, ou deveria ter, muito mais para mostrar, que a sua “orientação sexual”; outro termo bem duvidoso. Não somos orientados, nascemos assim. Somos reprimidos, formatados e reagimos a isso de acordo com nossa condição intelectual e emocional.
Somos iguais, mas com belas nuances, que também nos tornam únicos, num rico paradoxo.
A Parada da Diversidade me assusta pela crescente necessidade de defendermos num ato político, uma condição natural do ser humano.
Numa sociedade ideal (completamente fictícia) esses poderosos encontros seriam festa e celebração, encontro e reunião apenas. Não de guetos, mas de todos. Numa sociedade ideal não haveria o estereotipo: nem a bicha-louca que usa sua homossexualidade como arma para agredir a sociedade preconceituosa, que mimetiza o sexo oposto e impregna tudo o que faz com sua condição sexual; nem o machão que precisa ser truculento e desrespeitoso para afirmar sua frágil e insegura sexualidade; nem a devoradora de homens lasciva e sedutora que aceita inconsciente a condição recalcada da mulher na sociedade (também há muito postulada), dispondo apenas das “armas de sedução”, num patético empobrecimento da capacidade da mulher. Não haveria violência contra o que não entendo, talvez nem houvesse o “não entendimento”.
Mas fechemos o livro da imaginação, nossa realidade é bem outra.
Façamos festa e política. Tudo junto! Todos juntos!
E viva a diversidade, ainda que aparente!



Paulo Vasilescu.

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