sábado, 24 de fevereiro de 2007

Terceiro Tiro - 28/07/2006




Ídolos

Duas coisas ficam muito claras ao final da primeira edição do “American Idol” brasileiro: somos um povo repleto de talentos; mas que não sabe reconhecê-los, que não sabe se reconhecer. Apesar de o resultado ter sido, inacreditavelmente, satisfatório, justo. Jurava que ia dar zebra e que aquele menino desengonçado, de lábios carnudos, cílios delineados, tentando cantar que nem a Ana Carolina fosse ganhar. Aí eu ia entrar em depressão mesmo e jogar a TV pela janela.

Mas não! Apesar de toda a marmelada que estamos cansados de saber que rola nestes “reality shows”; apesar da pobreza na produção do SBT nesta versão tupiniquim, o ganhador é um menino (pasmem!) bonito, mas de muito talento, com um timbre novo, diferente; e coisas diferentes são raras nestas produções pasteurizadas. Embora no final, ele já estava contaminado com o vírus da fama instantânea; que é perigosíssimo e pode te matar em poucos dias até. Mas não é culpa dele. É exatamente esta a proposta do programa mundo afora: fabricar um ídolo.

Só que estes programas não são capazes de criar um ser de talento em sua plenitude. Vamos por partes. Qual é a diferença entre artista e celebridade? Um artista é um peão, um ser abnegado, no limite da capacidade física, intelectual e emocional, em prol de algo muito maior do que ele próprio. Um artista não é divino, é mera carne e sangue. Seu trabalho, sua arte sim! Pode chegar ao panteão Tocar um instrumento, viver outras personas, encher o vazio com verdade, não são tarefas fáceis. Tomam a vida inteira. E nem sempre te devolvem o que você espera.

Ao passo que uma celebridade é toda e qualquer pessoa que consegue atrair uma quantidade razoável de atenção por certo tempo. Às vezes bem curto. Alguns espertos conseguem fazer os tais 15 minutos perdurarem por anos. Um bebê de duas cabeças pode ser uma celebridade. Ou sem cérebro nenhum, oco. Tadinho, porém célebre. Patricinhas parricidas são celebridades hoje em dia. Que horror. Quem te garante que não vamos ver ainda nas vitrines bonequinhas Richthofen que fazem xixi, cocô, choram e aceitam drogas, muitas drogas. E até para os meninos, quem sabem: bonecos “Cravinhos em Ação”.

O que programas como “Ídolos” produzem em nossa sociedade consumista chega a ser cruel. Pop-stars descartáveis, one way. Pobre vencedor. Seu talento original, sua personalidade já está sendo mutada, formatada. Sua primeira música de trabalho é sofrível. Se deixassem o menino criar com a sua verdade e experiência de vida, garanto que faria bem melhor. Mas a cultura de massa é matéria manipulada, manjada, rotulada e, talvez até, subestimada. O Faustão passa duas semanas chamando a banda “K-y” de “a maior banda do Brasil” e, pronto, eles viram mesmo! Não é incrível? Não, é horrível. E bem simples até. Mera transação financeira, não requerendo talento ou experiência necessariamente. É pagar e levar!

Bom, uma coisa não dá pra negar. Estes programas revelam o mau gosto do povo, que compra, sem hesitar, tais produtos de procedência duvidosa. No caso do “Ídolos”, sobretudo os adolescentes, principal audiência do programa. Mau gosto e falta de originalidade. A loirinha chata que era clone de algo mais chato ainda, a Pitty, desbancou todos os bons cantores finalistas. Isso sem contar tantos outros bons candidatos que ficaram fora do grande páreo, provavelmente por alguns quilos a mais, por causa de uma cútis oleosa ou “excesso de melanina”. Afinal o que se pode esperar da filha evangélica do Sílvio Santos, que dirigiu este programa (mega sucesso pop no mundo inteiro) preocupada com as gírias dos jurados e o tamanho da saia das candidatas. Faz favor!

Por falar em evangélicos, o que é esta avalanche de gente que pensa que esta hipérbole medonha da música gospel é a única maneira de se cantar? Gritando, se esgoelado, num virtuosismo ensurdecedor e insuportável. Isto sim, deveria ser rotulado pelo Ministério da Saúde como algo prejudicial. E as criancinhas do Raul Gil também!

Só resta desejar boa sorte ao vencedor, ele vai precisar. Para conseguir mostrar o artista por trás da logomarca e tentar desesperadamente fugir da mediocridade existente nos rótulos que carrega. Quanto a nós, devíamos jogar a TV pela janela mesmo e correr para o exílio no mato, no alto da montanha ou no vidrinho de Prozac.

Já que, tal qual na política: “Cada país tem o ídolo que merece!”.




Paulo Vasilescu

Fpolis, 28 de Julho de 2006.

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